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PERCEPÇÃO

Como mudar sem mudar

Deixe seus modelos mentais em paz e mude sua percepção

Como um imã tem dois polos, norte e sul, e não existe sem que ambos também estejam lá, nossos modelos mentais têm duas polaridades: os modelos em si e a nossa percepção deles. Nossa resposta à experiência depende em grande medida de "em que” e “como” estamos prestando atenção.

Por exemplo, considere uma pessoa viajando de carro e que está na metade do caminho de mil quilômetros. Ela tem lá seu modelinho mental do que está acontecendo: o propósito da viagem, quem está indo, a estrada, sua posição nesta, lembranças do que já aconteceu e expectativas de acontecimentos futuros e possivelmente outros. Se essa pessoa está enfatizando na sua percepção o que está faltando para chegar, reage de um jeito. Se enfatizar o que já andou, pode ficar até feliz porque já andou "bastante". A situação em si não mudou, o que fica diferente é a forma de percebê-la. Ela poderia também nem estar prestando atenção no andamento da viagem, e portanto não fazendo julgamentos; simplesmente poderia estar buscando coisas bonitas na paisagem, conversando e aí ela "nem vê o tempo passar".

Assim, certas coisas só existem para nós se prestarmos atenção nelas, e de uma certa maneira. Lembro-me de que, quando meu pai morreu, estávamos sentados na sala após o enterro, com parentes e amigos, aquele clima. A certa altura, alguém contou uma piada, e muitos rimos; por alguns momentos, esquecemos os acontecimentos e a atenção ficou só na piada, ou seja, no modelo mental dela.

Isso se aplica a certos tipos de problemas. Podemos ter um mas estar fazendo algo tão interessante que nos esquecemos dele. Ou podemos prestar tanta atenção nele que, assim o nutrindo, ele "cresce" e nos incomoda até que seja resolvido. Na verdade, a própria visão do problema como um problema decorre do modelo mental que estamos adotando, incluídas aí as intenções. Um carro com defeito é um problema para o dono do carro, mas é oportunidade de faturamento para o mecânico. Para o dono pode ser uma oportunidade de descobrir uma boa oficina. E se a oficina não for tão boa, o fato pode ser considerado um aprendizado. Tudo depende das opções disponíveis ou geradas pelos modelos mentais em uso.

Conhecer melhor como funciona nossa inteligência em termos dos polos percepção/modelos mentais abre duas frentes ou linhas de expansão da inteligência: modificar os modelos mentais ou alterar a forma como os percebemos. Nesta matéria investigamos algumas oportunidades da segunda opção. Para isso, descrevemos algumas variáveis perceptivas e ações possíveis associadas a cada variável (outras possibilidades serão vistas posteriormente). Como a percepção é algo que acontece no presente, momento-a-momento, é possível alterarmos instantaneamente nossa resposta aos modelos mentais simplesmente mudando o que estamos prestando atenção, através de ações perceptivas. 

Essas ações são coisas que, como você vai comprovar, todos nascemos sabendo fazer e efetivamente as fazemos a todo momento, mas para você não achar que é fácil demais e talvez até desprezar estas opções, no final descrevemos também algumas interferências que podem ocorrer.  Se você é iniciado em PNL, vai reconhecer que estamos falando de metaprogramas de atenção.

Note que as sugestões fazem sentido somente se você estiver buscando algo, se estiver insatisfeito ou quer que algo fique diferente, por qualquer motivo que lhe seja importante. Ou seja, aquelas coisas que fazem com que nos mexamos.

Amplitude de segmento

Imagine que você está fazendo um roteiro para uma viagem grande, passando por várias cidades. Há duas percepções básicas possíveis para essa situação. Primeiro, imagine a viagem como um todo, uma só escolha. Agora, considere que você vai viajar por etapas, e suponha também que em cada etapa tem algo interessante para ser visto e feito. Há diferenças em como você reage à viagem?

Essa é uma capacidade interessante: podemos perceber o todo ou cada parte, as partes formando o todo, partes das partes e por aí vai. O mais interessante é que temos controle sobre o que prestamos atenção, como você fez (se o fez!) no parágrafo anterior. Teste esse controle: veja o momento atual da sua vida (pausa). Veja a situação somente agora neste contexto de leitura. Perceba sua vida como um todo. Perceba os aspectos (um de cada vez, por favor) trabalho, família, família estendida, relacionamento afetivo, lazer, amigos e algum outro de que você se lembrar.

Na verdade, fazemos essas variações todo o tempo. Podemos estar percebendo uma pessoa como um todo ou só seu comportamento atual. Você pode ouvir uma música e avaliar o todo ou aspectos: voz, arranjo, melodia. Se quiser, pode focar sua atenção em um instrumento apenas. Essa variável da percepção é chamada de amplitude de segmento.

Aplicações envolvendo a amplitude de segmento

Podemos variar a amplitude de segmento de duas maneiras básicas: de mais ampla para mais específica ou segmentada e de mais específica para mais ampla ou genérica. Não há regra para o que é melhor, isso vai depender da situação e do propósito. Veja algumas inspirações e sugestões de aplicação dessa idéia. 

- Você está sentindo uma dor localizada. Expanda a amplitude de segmento para todo o corpo, para perceber também as partes que não estão doendo.

- Você está com uma impressão de uma pessoa, assim como uma opinião negativa. Expanda a amplitude de segmento para enxergar mais aspectos do seu modelo mental dela: o que sabe que ela já viveu, o papel dela em sua vida, experiências legais que teve com ela, circunstâncias presentes do ocorrido, possíveis motivos para ações suas e dela. Com impressões você pode também ser mais específico e direcionar sua atenção para os acontecimentos dos quais resultou a impressão. Por exemplo, se está ressentido com o que alguém lhe falou ou com a forma como o fez, preste atenção nas imagens e sons do que ocorreu (sobre isso, é bom complementar com opções para a variável posição perceptiva, abaixo).

- Se você está reagindo a algum acontecimento específico, e no seu modelo o que aconteceu está representado como "erro" ou "fracasso", expanda sua percepção para o "conjunto da sua obra": todos os acertos de sua existência, por exemplo, ou só em contextos semelhantes. Se quiser refinar um pouco mais, explore outros aspectos da situação, como possíveis decorrências futuras positivas, como um fortalecimento diante de situações semelhantes.

Esta opção serve também para coisas "chatas". Se você estiver em um semáforo que parece demorado, lembre-se do conjunto de experiências com semáforos, para notar também todas as vezes em que você os encontrou abertos e que estavam sincronizados. Um dia, levei três fechadas no tránsito e me peguei afirmando "Pô, todo mundo está me fechando hoje!", para em seguida verificar que eu tinha esquecido todos os outros que não só não me fecharam como nem repararam que eu existia. Se você tem que ir ao supermercado e não gosta disto, expanda sua amplitude para uma maior faixa de tempo, para poder perceber há quanto tempo ou de quanto em quanto tempo vai. Tem coisas chatas que fazemos apenas uma vez por ano, o que pode ser bastante tolerável quando percebido dessa forma.

- Uma das aplicações mais curiosas que já fiz com a amplitude de segmento é tornar as pessoas mais "bonitas". Muitas vezes avaliamos um rosto pelo todo, segundo um padrão; reduzir a amplitude da percepção revela belezas antes insuspeitas. Olhe somente os olhos ou a boca da pessoa. Experimente andar na rua olhando só olhos ou bocas. Se puder, tire fotos de partes do rosto. Já fiz isso várias vezes e a própria pessoa se surpreende ao ver como ela tem partes bonitas e por vezes maravilhosas mesmo. Um exercício que faço regularmente é a "cirurgia mental de reconstrução de rostos": olho cada parte em separado, observo o que é bonito e depois reconstruo minha percepção do rosto novamente levando em conta as percepções individuais. Se você é daqueles chegados a admirar um pé, talvez também possa fazer o mesmo...

- Para perceber estímulos corporais, temos vários tipos de receptores nervosos, como para tato, pressão, calor, frio e dor. Podemos perceber os estímulos como um todo ou, já que são separados dessa forma, percebê-los um de cada vez. Por exemplo, quando juntamos dois dedos, percebemos uma sensação, mas na verdade são duas, uma em cada dedo. Parece também que temos hábitos de prestar atenção no que está mais intenso, como no chuveiro, em que notamos mais a temperatura. Uma prática até meditativa que você pode fazer para melhorar sua habilidade em lidar com a amplitude de segmento é dirigir a atenção para algum desses tipos de sensações: só tato, só temperatura, só pressão. Quando você ficar bom nisso, que sabe, quando estiver no dentista e ele com aquela broca, você poderá concentrar-se em alguma outra coisa que não a dor! 

Posição perceptiva

Você está aí agora, vendo com seus próprios olhos, ouvindo com seus próprios ouvidos. Esta é a chamada primeira posição perceptiva, o seu próprio ponto de vista. Só que não é a única, e muitas vezes adotamos outras sem sequer ter consciência disso. 

Por exemplo, certas tribos de índios tem em sua cultura o hábito de trocar os calçados em uma conversa. Há instrutores que fazem isso em treinamentos. A intenção é estimular a percepção da situação com os olhos do outro, é facilitar o colocar-se no lugar de outro, que é a segunda posição perceptiva. Quando você diz algo como "Se eu fosse Fulano...",  isso significa que você está observando ou avaliando algo sob a perspectiva do outro. Quando você "veste a camisa" de alguém, pode perceber ou ter idéias a respeito do que o outro quer, precisa, gosta ou está viu, sentiu, ouviu. 

E quando está mais para um observador neutro, percebendo um contexto de uma posição dissociada, então está em terceira posição. Em terceira posição você se vê no "filme", e vê também os outros envolvidos.

Experimente cada posição: lembre-se de uma situação com outra pessoa. Lembrou-se? Reveja a situação do seu próprio ponto de vista, o que estava vendo, ouvindo e sentindo (não precisa fazer rápido, dê-se tempo). Depois, entre na pele do outro e veja o que ele estava vendo, ouvindo e possivelmente sentindo. Agora, reveja a situação como alguém não envolvido, vendo aqueles dois interagindo.

As pessoas comumente rotuladas de "egoístas" ou "egocêntricas" tendem a ver as coisas somente pela sua posição perceptiva.  O que é importante é "o que eu quero ou gosto", "meus objetivos", "minhas necessidades". Uma pessoa abnegada pode perceber predominantemente as pessoas em segunda posição.

Nem sempre temos consciência de que estamos em outra posição perceptiva. Há alguns anos, soube que uma pesquisa do casal de psicólogos Masters e Johnson identificou que pessoas que não sentiam prazer em sexo estavam perceptivamente como observadoras, ou seja, por algum motivo, estavam em terceira posição. 

Uma evidência sensorial de que você adota a segunda posição é quando alguém lhe conta um caso e você tem reações físicas. Uma vez, alguém me contou que um pescador, ao lançar o anzol, "fisgou" o braço de uma pessoa. Eu senti também algo no braço, o que é uma evidência de que entendi o caso me colocando no lugar do "fisgado". Em outra ocasião, assisti a um documentário no Discovery sobre escaladores de prédios e sentia frios na barriga a cada minuto. Acabei me conscientizando de que me colocava em segunda posição, como se fosse eu a escalar, e tinha reações parecidas com as que sentiria se estivesse realmente lá. Parecidas em qualidade, não em intensidade (ainda bem!).

Outro contexto em que costumamos adotar a segunda posição é quando assistimos a um filme ou novela ou quando lemos um livro. Parece que gostamos de "entrar na história" e participar do filme, o que é inclusive uma forma de se ter experiências. Desconfio que alguns filmes que fracassaram não tinham personagens com que a maioria das pessoas pudessem se identificar. O ator Kevin Costner, por exemplo, teve alguns fracassos espetaculares, como Waterworld - o Segredo das Águas, e creio que o fator predominante foi ele ter representado personagens mal-encarados, sisudos e antipáticos, com os quais não queremos nos identificar.  Eu estava achando que ele era antipático, mas pensei comigo que eu estava fazendo os modelos mentais de realidade (que nem conheço). Resolvi então pegar um filme com ele, desprezando minha impressão. Pois no filme ele representava um bandido malvado, mal-encarado e antipático...

Aplicações

- Se você acha que está pensando muito em si, pratique entrar em segunda com alguém que considera importante para você. Se quiser praticar brincando, não precisa ser uma pessoa, pode ser um bicho ou até um objeto. Isso pode ser uma brincadeira divertida: e se você fosse um clipes? E um carro de Fórmula 1? Nem é preciso esforço, já que interpretar essas manchas pretas que a gente chama de linguagem já faz com a gente vá na direção. Experimente perguntar “E se eu fosse uma página de um site, cheia de links e com alguém clicando neles?” Eu, só de escrever, já imaginei algo me espetando a barriga. É, dá para viajar bastante nessa brincadeira!

- Ver na posição perceptiva de um bicho pode ser útil. De um motorista de táxi que esteve no exército, ouvi que ele adotava posições perceptivas de animais conforme os exercícios que ia fazer, e isso, segundo ele, facilitava as coisas. Para subir em cordas, por exemplo, ele entrava na pele de um macaco (certamente ele não deve ter contato isso para o sargento!).  Experimente fazer de conta que é um leão faminto ou uma pantera negra e veja o que acontece.

- Colocar-se no lugar de crianças pode ensejar melhores atitudes. Eu estava em pé em um ônibus lotado, olhei para baixo e vi uma baixinha olhando para cima. Por um momento, meio sem querer, me coloquei no lugar dela e percebi que o que ela estava vendo era completamente diferente do que eu via. Experimente fazer o seguinte: coloque-se na posição perceptiva que tinha quando era bebê: como você via os adultos. Agora, rapidamente, vá "crescendo" e note as mudanças na sua percepção da imagem dos mesmos adultos. Só não vá ficar pensando que é superior só porque sua imagem está maior.

- Um bom ator atua em segunda posição, só que é a de um personagem que ele próprio construiu. Se você quiser representar (ou fingir, se for o caso, cada um com suas escolhas), entre em segunda com algo ou alguém apropriado, seja existente ou construído por você. Eu já tive sucesso em agir como um louco, mas prefiro não fazer isso muito tempo porque tive alguma dificuldade para voltar ao estado "normal"! Vai ser difícil somente se você tiver uma boa dose de apego a "ser você mesmo", todo o tempo.

- Todo líder, a meu ver, necessariamente tem que acessar diferentes posições perceptivas: dos superiores, dos subordinados, dos clientes e a própria. Uma das tarefas é justamente procurar integrar necessidades, objetivos e diretrizes do maior número de pessoas. Ou, como costumamos dizer aqui em Brasília, "agradar a gregos e goianos".

- Se você tem um site ou pretende fazer um, avalie a qualidade do conteúdo e do visual pelo ponto de vista de um navegante que o acessa pela primeira vez. Eu procuro fazer algo assim com as matérias que escrevo, mas nem sempre consigo de imediato. Então, peço para outras pessoas criticarem ou deixo a matéria de molho até esquecer boa parte do modelo mental que a originou, e quando a releio sempre vêm novas idéias. Alguns textos estão de molho há mais de um ano, porque não passam por essa etapa.

- Uma professora de quem modelei a estratégia de preparação de aulas fazia o seguinte: recapitulava a matéria com base no livro, mentalmente ia preenchendo o quadro-negro e, após completar um quadro, colocava-se na posição perceptiva de um aluno para avaliar como tinha ficado.

Interferências

Parece fácil, não? Estou com um problema, mudo minha percepção e - plim! - a mágica acontece. Na prática, a facilidade depende muito da sua consciência e flexibilidade em relação aos seus modelos mentais, que influenciam e conduzem sua percepção de três maneiras. A primeira é pelo hábito; podemos estar condicionados a prestar atenção em certas coisas, como dentes salientes, defeitos, cabelos amarelos ou olhos verdes. A segunda é por habilidades. Quem está muito treinado em algo, como malabarismo ou direção de automóveis, tem um ciclo de atenção organizado e tão ágil que pode até fazer outras coisas em paralelo. A principal diferença entre habilidade e hábito é o grau de escolha que a pessoa tem, na primeira em geral há muitas opções e no hábito quase não as há. A terceira é o reflexo: diante de certos estímulos, a atenção é conduzida sem qualquer possibilidade de escolha, como no caso de fobias, e o prestar atenção inicia um "programa mental" sem escapatória.

Existe uma quarta forma de se conduzir a atenção: a escolha consciente. Você, por exemplo, pode escolher prestar atenção em qualquer coisa que esteja no seu campo visual e auditivo ou ainda nas suas sensações, isso é facilmente verificável. É sobre esta opção que vimos falando.

A principal interferência que você pode ter ao buscar fazer escolhas perceptivas são os hábitos ou reflexos perceptivos. Se você não tem prática com isso, haverá, como em qualquer aprendizado de habilidades, uma fase de transição e uma defasagem natural entre a decisão de iniciar o processo e atingir maior fluência e efetividade.

Com ou sem interferências, estando atento, presente e com opções, você pode alterar suas percepções e assim mudar o que está experimentando. As opções estão aí em cima. O tomador de decisões, bem em frente. 

Virgílio Vasconcelos Vilela

Veja também:

Nesta seção: Como amenizar sensações de frio ou calor

 

DEPOIMENTOS

"'Coincidentemente' estou estudando exatamente isto no curso de PNL que iniciei há um mês. Achei bastante ilustrativo. Valeu!!!"

Marcos Aurélio

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